Confira resenha de 'Understanding childhood: a cross-disciplinary approach', debatido na reunião do Grim desta semana

A partir de agora, todos os textos discutidos nas reuniões do Grim serão resenhados aqui no site. Nesta semana, foram debatidos a apresentação e o primeiro capítulo de Understanding childhood: a cross-disciplinary approach, coletânea organizada pela britânica Mary Jane Kehily. Confira, a seguir, a resenha do texto, feita pela pesquisadora do Grim Ana Cesaltina Barbosa Marques.

Entendendo a infância: uma abordagem interdisciplinar

Resenha por Ana Cesaltina Barbosa Marques, para encontro do Grim-UFC (5/5/16)

Understanding childhood: a crossdisciplinary approach (2013), organizado por Mary Jane Kehily, integra uma série de quatro títulos denominada Childhood, publicada por The Policy Press, em associação com organização britânica The Open University. O título em análise se apresenta como uma nova investida de um grupo de pesquisadores sobre o tema da infância numa abordagem interdisciplinar, considerando que, em 2003, o mesmo título reuniu outros artigos que discutiam, com similar diversidade de olhares, a definição de infância, sua variação no tempo e no espaço, a constituição de direitos, além de questões como gênero, experiência e inocência.

Nessa nova edição, publicada em 2013, autores da edição original, acompanhados de novos pesquisadores, atualizam as discussões trazendo contribuições de disciplinas como Sociologia, História, Psicologia e Antropologia. A organizadora, Mary Jane Kehily, defende que o cruzamento de abordagens de diferentes áreas do conhecimento tem contribuído para a emergência de um novo paradigma que permite novos modos de pesquisar e teorizar sobre a infância.

Algumas proposições são apresentadas por Mary Jane Kehily como pilares do referido paradigma emergente. Um dos fundamentais é a não generalização ou naturalização da noção de infância, por entender que ela tem sido vista e experimentada de diversos modos ao longo do tempo e do espaço. Por isso mesmo, os autores reunidos na publicação organizam suas análises partindo da perspectiva local para a global e fazem uma distinção marcante entre as experiências de infância do Ocidente (West), que eles identificam como “minority world”, e do vasto não-Ocidente (non-West). A autora ressalta que as duas áreas não estão separadas, muito pelo contrário, estão conectadas por meio do processo e globalização, mas merecem distinção.

O texto de apresentação chama atenção, ainda, para o fato de que, desde a primeira edição do livro, em 2003, as preocupações relativas à infância e à juventude chegaram ao centro das inciativas sociopolíticas nacionais (britânicas) e internacionais. Apesar disso, a infância ocidental está longe do considerada ”ideal”. Estudos recentes apontam fenômenos como a mercantilização da infância, produção de infelicidade, doenças, perda da inocência, entre outras questões identificadas como ”problemas”. A família aparece, muitas vezes, como dimensão de conflito e desarmonia.

No primeiro capítulo do livro, Childhood in crisis? An introduction to contemporary Western childhood, a autora Mary Jane Kehily se propõe a analisar a noção de crise sempre invocada ao se fazer referencia à infância nas sociedades ocidentais. Tal crise é real ou apenas alimentada pela mídia, pergunta a autora?

Para responder à questão, Mary Jane Kehily mapeia o cenário de crise em torno da infância buscando não só autores acadêmicos, mas também documentos oficiais e jornalísticos que retratam a infância e apresentam indícios de como tal categoria está social e culturalmente representada. O texto apresenta as ideias da britânica Sue Palmer (2006), que sugere que as mudanças tecnológicas dos últimos 25 anos tiveram grande impacto na vida moderna e produziram um “efeito tóxico” à infância. Para a autora, as crianças estariam acumulando prejuízos sociais, emocionais e cognitivos. Seriam demonstrações disso a associação de felicidade e consumo, a degradação do brincar e dos espaços de brincar e o aumento da pressão por produtividade acadêmica na infância.

Já Frank Furedi (2001) aponta para a família como locus de conflitos contemporâneos, que se manifestam frequentemente por quadros de medo e paranoia. As crianças estariam sujeitas às investidas parentais que se apresentam, frequentemente, como excesso de proteção. O consumo, inclusive midiático, seria bode expiatório da crise decorrente da transformação dos arranjos familiares e da mudança do padrão de autoridade parental.

Um contraponto a essas perspectivas apocalípticas é feita pela abordagem dos estudos culturais, que propõem a relativização do olhar sobre a infância, o consumo e as mídias. É destacada, assim, a fusão entre as noções de crise e pânico moral, que segundo S. Cohen (1973), caracteriza-se pelo alarme produzido pela mídia em torno de situações desviantes ou ameaçadoras.

As pesquisas de Geoffrey Pearson (1983), que analisaram a história do pânico moral nos séculos XIX e XX, permitiram ao autor afirmar que a cada 20 anos aproximadamente ocorre um fenômeno de pânico moral relativo à juventude. Martin Barker (1989), que estudou o consumo de quadrinhos nos anos 1950 na Inglaterra, acrescenta que o fenômeno se repete sempre que surgem novas manifestações culturais. Em contexto recente, poderiam ser apontadas manifestações de pânico moral diante do consumo de produtos audiovisuais, revistas e, mais recentemente, sites de redes sociais.

Já os olhares do fenômeno pelas lentes de autores alinhados com a visão da modernidade tardia (Bauman, Beck, Giddens) permitem apontar a emergência de nova relação entre o individuo e o social, abalos nas certezas relativas às liberdades individuais, transformações da intimidade, dos arranjos familiares, isso de tal modo que a infância seria colocada “em crise”. O texto traz análises realizadas de revistas sobre gestação que permitiram a identificação de discursos que reforçam a construção de relação entre parentalidade, infância e consumo. Nesse contexto, as práticas de consumo estariam travestidas de práticas de cuidado e proteção, de certo modo compensatórias do contexto de insegurança e incertezas.

A leitura da introdução e do primeiro capítulo de Understanding childhood: a cross-disciplinary approach (2013) se apresenta como um mapa que indica perspectivas relevantes para a discussão da construção de noções de infância na contemporaneidade. Ao final, Mary Jane Kehily indica que a resultante do conjunto de forças que se cruzam no significante “infância” aponta, atualmente, para a prevalência de uma visão romântica e idealizada da infância ameaçada pelos avanços tecnológicos. Está assim configurada a noção de crise na infância. No contexto das pesquisas realizadas pelo GRIMUFC, a leitura apresenta pontos de diálogo com as noções de risco e potencialidades apresentadas nas pesquisas TIC Kids Online.

REFERÊNCIAS Kehily, M. J. (org.), Understanding childhood: a cross-disciplinary approach. Bristol: The Policy Press, 2013. Barbosa, A (org.) Pesquisa sobre o uso da internet por crianças e adolescentes no Brasil : TIC Kids Online. Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2015.

 


Venha ouvir, conhecer, discutir e propor novas ideias. Entre em contato conosco pelo e-mail:

grim.ufc@gmail.com

Av. da Universidade, 2762.
CEP 60020-181 - Fortaleza-CE
Fone: (85) 3366.7718

// Visitantes
Nós temos 2 visitantes online