Os desafios da infância conectada
Publicado originalmente por: O Povo Online
O triângulo (conflituoso) pais/filhos/uso de tecnologia está no centro de uma recente pesquisa que se volta para a América Latina e atualiza saberes e desafios sobre o impacto da tecnologia na vida de meninos e meninas
O tema está sempre à mão, deslizando pelos dedos e atraindo, cada vez mais cedo, a atenção e o tempo das crianças: o uso de smartphones, tablets, computadores, Internet faz o mundo girar. Questionamentos se renovam na velocidade dos acessos. Os impactos que as novas tecnologias da informação e comunicação (TIC) causam na formação de meninos e meninas e os novos desafios que essa relação produz para os pais são o norte de uma recente pesquisa que se volta para a realidade latino-americana.
O estudo “O impacto da tecnologia na vida de meninos e meninas na América Latina – novos desafios para a juventude” se propõe a conhecer mais sobre o triângulo (conflituoso) pais/filhos/uso de tecnologia. A investigação foi realizada pela Associação Chicos.net, em parceria com a The Walt Disney Company Latin America, de junho a novembro de 2014. E envolveu desde a revisão de estudos já existentes a entrevistas com especialistas e pesquisa online (400 casos por cidade) em Buenos Aires (Argentina), São Paulo (Brasil) e Cidade do México (México), abrangendo um universo de crianças de sete a 12 anos (das classes média alta e média baixa) e de pais de crianças de 4 a 6 anos (da classe C).
PRECONCEITOS
A pesquisa quer se aproximar da percepção de mundos – online e offline – e das subjetividades que as crianças adquirem em contato com as TIC. “Em um contexto onde mostrar-se é condição para ‘existir’, as TIC são um meio privilegiado para que meninos, meninas e adolescentes possam explorar, editar e difundir quem são”, considera Marcela Czamy, fundadora e presidente da Associação Chicos.net, em entrevista por email. Não participar desse universo de conexões, ela completa, é “não existir” de certa maneira. “Mas participar sem os devidos cuidados pode ser perigoso”, equilibra.
Na outra ponta da relação, demonstra o estudo, os pais se mostram ainda preconceituosos em relação ao uso das TIC pelos filhos.
Temem “a ‘perda’ de tempo dos filhos, o isolamento, a imitação de comportamentos violentos dos jogos virtuais”, destaca Czamy. Em contrapartida, informa o estudo, entrevistas com especialistas e o próprio depoimento das crianças desconstroem a ideia de uso compulsivo das TIC: um jogo “ao vivo” ou uma boa história em um livro têm o mesmo poder de atração na infância.
Mais: as TIC também podem permitir outras formas de vínculos sociais sem substituir o “intercâmbio cara a cara”. “Por fim, as crianças não parecem confundir jogo virtual e realidade: até o momento, não existe evidência científica conclusiva que assinale os jogos virtuais como causas de respostas violentas”, conclui Marcela Czamy.
FAZER AS PAZES
“Cremos que a difusão destes resultados colaborará também com a conscientização de docentes, famílias, pais e filhos sobre o uso responsável das tecnologias, elemento essencial para o desenvolvimento e a segurança da comunidade”, soma Belén Urbaneja, diretora de Cidadania Corporativa da Walt Disney Company Latin America, em entrevista por email. A pesquisa indica caminhos para se chegar a cuidados que promovam a proteção das crianças ao mesmo tempo em que elas adquiram liberdade e poder para interagir melhor com o mundo tecnológico.
“O cuidado dos pais será aquele que permita ao filho construir filtros próprios (internos) e critérios de proteção de dentro para fora, que funcionam mesmo quando os adultos não estejam presentes”, recomenda Marcela Czamy. Reconhecer os benefícios das TIC, complementa, é o primeiro passo para se “fazer as pazes” com elas. “As TIC podem contribuir para por em evidência problemáticas que afetam historicamente a infância, permitir o debate e a cooperação global sobre temas relevantes”, exemplifica.
Além disso, esclarece o estudo, não é preciso que os adultos saibam mais do que as crianças sobre tecnologia para demonstrar autoridade e transmitir critérios de cuidado sobre o uso. “Reconhecer que não se sabe tudo também é um modo de ensinar que os limites existem”, pontua Czamy. Uma conversa de igual para igual sempre conecta um diálogo que amplia a percepção de mundos (virtual ou real) e cria confiança (em si e no outro).