Publicidade e comida. Qual é o limite ?

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Publicado originalmente por Hora da Comida


Quem lê o rótulo do que compra no supermercado para comer ? Praticamente ninguém. No máximo, olhamos o quadradinho com as informações sobre calorias, gorduras trans e quantidade de sódio. Ignoramos o quesito ingredientes que é revelador e, muitas vezes, assustador, porque contraria o que a propaganda diz do produto. Exemplos: integral que não é integral ou suco de frutas quase sem frutas e com muito açúcar. O alerta é de especialistas em nutrição e em direitos do consumidor que participaram ontem (29) do debate “Publicidade e consumo na alimentação” – dentro do seminário internacional “Alimentação Hoje – entre carências e excessos”, promovido pelo Sesc SP.

O debate esquentou com a revelação da última edição da revista Exame de que a fabricante de sorvetes paulistana Diletto inventou uma história para impulsionar a venda de seus picolés. Quando a empresa nasceu, seu dono disse que a inspiração para os picolés teria vindo de um avô italiano que usava frutas frescas e neve para faze sorvetes até que a Segunda Guerra Mundial o forçou a imigrar para o Brasil. Tudo mentira. O avó, jardineiro, nunca fez sorvetes. A Diletto explicou que precisava de uma boa história para convencer o cliente a pagar R$ 8 reais por um picolé desconhecido. Quem também admitiu que mente é a fabricante carioca de sucos Do Bem que dizia usar laranjas do senhor Francesco do interior paulista. Na verdade, compra de grande empresas do setor, assim como fazem outros fabricantes.

A nutricionista Ana Paula Bortoletto, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), disse que a revelação sobre a Diletto foi considerada “grave” pelo órgão e que a estratégia configuraria ” propaganda enganosa”. A professora Helena Maria Afonso Jacob, que pesquisa a relação da indústria alimentícia com a mídia, disse que a Dilleto e a Do Bem usaram uma estratégia de marketing conhecida como storytelling que busca a sedução do consumido, com histórias envolventes em que o lucro não é o único objetivo. Até os anos 90, o marketing buscava persuadir as pessoas. Hoje, seduz.

A publicidade de alimentos voltados para o público infantil foi o principal alvo das preocupações, durante o debate. Afinal, a criança não tem experiência ou julgamento para avaliar um produto. “Personagens infantis, como rainhas, princesas, heróis, vendem todo o tipo de produtos, com linguagem, cores, formas atraentes”,  afirma a advogada Ekaterine Karageorgiadis, do Instituto Alana – uma ONG que busca pela garantir condições para a vivência plena da infância. O que está em risco aqui é a formação de hábitos alimentares que se consolidam na vida adulta.

A nutricionista Ana Paula (Idec) citou a campanha do órgão que alerta a sociedade sobre a qualidade dos sucos de frutas em embalagens de papel (os sucos de caixinhas). Após uma pesquisa, foi constatado que esses sucos têm frutas de menos e açúcar de mais, sendo que, neste caso, os rótulos não deixam isso claro. Pela legislação vigente, segundo Ana Paula, não há limite para a quantidade de açúcar que pode ser usada na preparação. O Idec fez o vídeo Agite(-se),  muito bem humorado, em que crianças descobrem o que tem dentro do suco que tomam.

É bom lembrar que, no Brasil, 15% das crianças são obesas e 30% têm sobrepeso. Por que isso acontece? Bem, é muitíssimo comum pais darem Coca-Cola na mamadeira a crianças com menos de 12 meses. Sim, é verdade e o documentário “Muito além do peso” (disponível no YouTube) mostra como chegamos a essa situação, com depoimentos de advogados, nutricionistas, médicos, pais e crianças. “Para muitas famílias, dar leite ou Coca-Cola é a mesma coisa”, diz Helena, ponderando que a empresa é vista “acima do bem e do mal” por muitas pessoas, principalmente a geração de avós que pegaram a empresa no seu auge, quando não havia questionamentos sobre o refrigerante.

“A única defesa que nós temos é comer comida de verdade”, diz Helena, citando o pesquisador norte-americano Michael Pollan, que sugere a seguinte pergunta: minha avó comeria isso? reconheceria isso como comida? Na rotina das grandes metrópoles, fugir da comida industrializada é um desafio ainda maior mas nem por isso devemos desistir, porque sempre há o ruim e o menos ruim – na pior das hipóteses. E, nesse sentido, ler os rótulos é essencial.

No livro Cozinhar – Uma história natural da transformação, Pollan relata que  31 componentes químicos (listados no rótulo) entram na massa do pão Trigo 100% Integral Macio à venda nos Estados Unidos, mas os padeiros da linha de produção da fábrica não souberam explicar para que serviam. Mais tarde, cientistas explicaram que um “condicionava” a massa para que as máquinas não grudassem; outro fornecia à massa a maior quantidade de ar no menor tempo possível; um outro impedia que o pão azedasse ou mofasse e por ai vai…..havia um ingrediente que encobria o sabor químico dos outros.

 


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