As aventuras da Turma da Mônica contra o fim da publicidade infantil

Por Jornalismo Wando

O CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Crianças e do Adolescente) esteve no centro da ribalta após a publicação da resolução 163, que revoltou defensores da liberdade irrestrita do mercado e os que faturam alto com a propaganda infantil.

A nova resolução proíbe esse tipo de publicidade. A intenção é evitar que crianças em fase de desenvolvimento sejam alvo das artimanhas e estratégias abusivas do mercado publicitário. As propagandas dos produtos infantis, a partir dessa resolução, devem ser direcionadas exclusivamente para os pais.

Parece que essa tentativa de poupar nossas crianças das garras da publicidade mexeu com os instintos mais primitivos do desenhista e empresário Mauricio de Sousa, um grande interessado em colocar seus personagens pra vender produtos como o "nuggets" de microondas, por exemplo. Para ele, a criança deve desfrutar da liberdade de ser bombardeada por uma simpática Mônica contando as maravilhas desse alimento tão saudável. A indignação do empresário é tanta, que ele decidiu exibir no Instagram a imagem de uma garotinha lutando pelo direito de assistir propaganda infantil:

instag

Garotinha fazendo seu protesto de forma livre e espontânea, sem influência de adultos.

A espontaneidade do protesto da garotinha comoveu aqueles que lutam por um país em que o mercado esteja totalmente livre de qualquer controle social. No cartaz empunhado pela criança, a publicidade infantil é tratada como um direito. Talvez seja o caso de incluí-lo na Declaração Universal dos Direitos das Crianças, afinal de contas, para Maurício, ter acesso às propagandas infantis parece ser um direito tão importante quanto frequentar a escola.

Na semana passada ele voltou ao Twitter e se mostrou ainda mais preocupado com a resolução 163. Numa série de tweets indignados, o desenhista pintou com cores sombrias o que seria um mundo sem propagandas para crianças:

"Li, de novo, o texto da resolução 163 do Conanda (sobre publicidade infantil). Não devia. A cada leitura me parece mais assustador. A resolução 163, se aprovada pelo congresso, vai transformar o país num vale de sombras, sem cor, sem alegria, sem liberdade, sem infância. Custo a acreditar que uma ameaça à liberdade como propõe a resolução 163 tenha sido entendida na sua abrangência até pelos seus signatários. Uma vez transformada em lei, a resolução 163 provocará desemprego em massa nas empresas ligadas à publicidade e produtos infantis...A resolução generaliza: toda publicidade dirigida à criança é abusiva e merece punição. É uma "caça às bruxas". Lembra o Iraque de hoje. Não gosto de usar este espaço democrático para passar estas coisas tão sérias. O clima pesa. Mas... tem hora que a coisa pega na garganta. A resolução 163 propõe proibir utilização de pessoas com apelo infantil em qualquer comunicação mercadológica. Se isso não é ditadura..."

Um quadro aterrorizante, não? Será mesmo que seria tão difícil para nossas crianças viverem num país onde a Mônica não apareça na TV vendendo "nuggets", batom, pulseira, sandália, iogurte, maçã, biscoito, macarrão instantâneo e tomatinhos? O mundo infantil ficará "sem cor, sem alegria e sem liberdade" se o Cebolinha não aparecer mais numa nave espacial colorida vendendo o seu mais novo chinelinho?

Os produtos da Turma da Mônica não serão proibidos. Eles continuarão nas prateleiras das lojas e supermercados. Apesar do tom dramático do empresário, a única diferença é que agora as propagandas deverão ser voltadas para os pais - aqueles que decidem o que os filhos irão consumir.

Na verdade, Mauricio, a resolução 163 não tem nada de iraquiana, apenas segue a linha de regulamentações já consolidadas nas principais democracias do mundo: Canadá, Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, Noruega, Irlanda, Bélgica, Áustria, Grécia, entre outras. Segundo a lógica do empresário, nesses países a infância é sombria, sem cor, sem alegria, sem liberdade. Ele provavelmente não sabe que deve ser mais fácil colocar a Mônica pra vender batom em Bagdá do que em Estocolmo, já que na Suécia a lei proíbe toda e qualquer propaganda televisiva voltadas para menores de 12 anos antes das 21 horas. As sociedades mais livres e democráticas do mundo são justamente as mais reguladas, com leis feitas não pra reprimir, mas pra garantir que as demandas públicas sejam cumpridas. Nesses países, é o mercado quem deve se adaptar aos interesses democraticamente estabelecidos.

Além de representantes do governo, o Conanda é um conselho formado por entidades ligadas à proteção dos direitos das crianças, tais como: CNBB, Pastoral da Criança, APAE e OAB. A resolução 163 é uma antiga demanda desses representantes da sociedade civil. Portanto, chamar o resultado de um antigo debate democrático de ditatorial é pura hipocrisia. Não há qualquer interesse por trás senão a preservação do bem estar de crianças e adolescentes. Por outro lado, não é possível dizer o mesmo de grande parte dos opositores do projeto.

Afirmar que a resolução "provocará desemprego em massa" é ignorar que as propagandas de produtos infantis continuarão a existir, apenas terão que se adaptar para o público adulto, que já desenvolveu sua capacidade crítica. É covarde e cruel expor crianças em pleno desenvolvimento psíquico às estratégias de persuasão características da comunicação publicitária.

"Ah, mas é da responsabilidade dos pais decidir o que a criança deve assistir na televisão..."

Partir desse pressuposto seria perfeito num mundo ideal, onde todos os pais são responsáveis e têm disponibilidade pra ficar ao lado dos filhos 24 horas por dia. No mundo real, onde há pais que deixam seus filhos enfiarem a mão na jaula de um tigre, a coisa não funciona bem assim. Preservar o crescimento de nossas crianças deve ser uma responsabilidade de toda sociedade preocupada com seu futuro, e não apenas dos pais.

Além disso, se as crianças não são as responsáveis pelas compras, qual é o grande problema em direcionar a publicidade dos produtos infantis para os adultos para que estes façam a mediação do consumo? Será que é tão ditatorial assim? Com a palavra, os tiranos suecos.

Para ilustrar o post, trago esse antigo e edificante comercial da tesourinha do Mickey, exibido em 1992, e que disseminou bons valores entre a garotada daquela geração:

[Fonte: Yahoo Notícias]

 


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