Repúdio à criminalização dos movimentos culturais da juventude — por uma política de segurança pública humana e não meramente policialesca

Em menos de 48 horas, Fortaleza registrou três ações desastradas das forças de segurança pública contra manifestações artísticas/culturais em praças da cidade. Na madrugada de sábado, 18, nas praças dos Leões e da Gentilândia, a Guarda Municipal encerrou as reuniões ali ocorridas usando gás de pimenta, balas de borracha e bombas de efeito moral. Já no domingo, 19, na praça da Cruz Grande, no bairro Serrinha, foi a vez da Polícia Militar dar fim a uma festa de reggae, também usando armamento menos letal e detendo duas pessoas. Em sua maioria, jovens foram os alvos das reprimendas.

As ações são sintomáticas da forma como vem sendo pensadas políticas para a juventude e a segurança pública. Um pensamento ainda policialesco, calcado na repressão e na manutenção a todo custo da ordem — mesmo à revelia do bem-estar e da integridade física da população. Os relatos de quem estava nas praças dão conta de que os agentes passaram a atacar mesmo sem agressão anterior. Seguida a essas investidas, a arbitrária ordem proibindo a continuidade dos festejos. À imprensa, Guarda Municipal e PM afirmaram ter reagido a agressões. Ainda que a versão seja verdadeira, revela despreparo dos agentes, ao generalizar o risco a todos que estavam no ambiente. E, ainda assim, não explicaria o término forçado das festas.

Em matéria na terça-feira, 21, o jornal O Povo colheu relatos que apontam a regularidade de ações do gênero, sobretudo, na periferia da cidade. As histórias relatadas nos bairros Bom Jardim e Jangurussu mostram haver um padrão de violência no trato a esses movimentos juvenis. “O que estamos vendo é uma repressão ao que é produzido pela juventude”, afirmou à reportagem a articuladora do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca), Lívia Thaís Morais.

As ações de truculência se dão em um contexto de eleições quase monopolizadas por discussões de segurança pública, que é tratada de forma policialesca. Municiar a Guarda Municipal com armas de fogo virou questão central no discurso dos candidatos. A ideia é inserir a Guarda na questão como uma linha auxiliar da PM — com propriedade para ser a linha principal. São minorias as propostas de segurança com abordagem não policialescas, que tratam a cidade não como território de conflito, mas como um lugar pertencente à sociedade, a quem cabe zelar e tornar acolhedora.

Os episódios do último fim de semana foram de encontro uma das melhores formas de combate à insegurança e à sensação de insegurança: a ocupação dos espaços públicos. Ou seja, não bastasse a criminalidade, o impedimento a essas ocupações ganha mais um ator, os agentes do Estado. Logo aqueles que — é bom frisar — tem como dever garantir a segurança. Com isso, crescem as trancas, as vigilâncias particulares, a permanência em casa e as idas a ambientes fechados e privativos, assim como o abandono das ruas e a sensação que passam de ermitão.

Integrar a juventude nesses processos de ocupação dos lugares públicos é fundamental, tanto para a eficiência dessas ações, quanto para assegurar a validade do artigo 227 da Constituição Federal: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (grifos nossos).

O texto não foi respeitado nesses tristes episódios, o que é, infelizmente, comum no cotidiano fortalezense. Basta lembrar da estatística que coloca Fortaleza como a capital com o maior número proporcional de homicídios de jovens e adolescentes do País. A média em 2013 foi de 81,3 mortes para cada 100 mil habitantes, segundo o estudo "Violência Letal Contra as Crianças e Adolescentes do Brasil", realizado pela Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais (Flacso).

Nos comentários que apoiam as ações das forças de segurança nesses casos, é possível identificar uma narrativa criminalizadora desses movimentos, ao atrelá-los a consumos de drogas lícitas e ilícitas, por exemplo. Fica claro que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ainda não substituiu a Lei de Menores nesse imaginário. Juventude ainda requer controle e controle ainda requer polícia.

Os episódios, pelo menos, serviram como forma de sensibilizar um maior número de pessoas para essa rotina vivida pela juventude nas periferias. Os fatos proporcionaram, sobretudo, nas redes sociais da internet, reflexões sobre a importância de ocupar um espaço que por direito pertence à população. Se o problema é a poluição sonora, a alternativa é buscar uma forma de integrar o respeito ao sossego alheio ao direito ao lazer. Com diálogo, não cassetetes.