Alimentação e publicidade infantil

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Em todo o mundo, segundo a Federação Mundial de Obesidade – FMO, há mais de meio milhão de pessoas obesas, a maioria delas nos Estados Unidos, China e Brasil. Entre as causas de doenças crônicas não-transmissíveis, as dietas não saudáveis já superam o cigarro e, por isso, organizações internacionais de defesa entendem que os maus hábitos alimentares precisam ser combatidos da mesma forma como é combatido o tabagismo.

No Brasil, a Resolução 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – Conanda considera abusiva toda publicidade voltada ao público com idade inferior a 12 anos. No entanto, o que se verifica é o não cumprimento da norma. “As consequências negativas dessas estratégias de comunicação mercadológica dirigidas às crianças são muito sérias, sobretudo pelo estímulo ao consumismo, materialismo, estresse familiar, além do excesso de peso”, diz Ekaterine Karageorgiadis, advogada do Instituto Alana, entidade que promove o projeto Criança e Consumo, em apoio a medidas que buscam a regulação da publicidade de alimentos dirigida ao público infantil.

Confira, a seguir, entrevista com *Ekaterine Karageorgiadis sobre a relação entre publicidade infantil e os maus hábitos alimentares.

VIA Blog – A publicidade dirigida à criança influencia o consumo excessivo de alimentos inadequados?

Ekaterine Karageorgiadis – Tendo em vista que os hábitos alimentares se formam na infância, e são mantidos até a idade adulta, busca o mercado atrair, desde muito cedo, as crianças ao consumo habitual de seus produtos por meio de diversas ações de comunicação mercadológica especialmente dirigidas a elas, caracterizadas pelos elementos de seu universo como personagens, jingles, celebridades, cores, formas atraentes, cenários lúdicos, presença de crianças, etc. Essas estratégias, além de ilegais e antiéticas, são inegavelmente prejudiciais às crianças porque se valem de sua pouca idade, e, consequentemente, do momento de desenvolvimento biopsicológico em que se encontram e de sua natural credulidade, para convencê-las a desejarem determinados produtos e serviços. As crianças passam, assim, a atuar como promotoras de vendas das marcas frente a seus pais e responsáveis, para que comprem o que elas pedem.

VIA Blog – E quais as consequências?

E. K. – As estratégias de comunicação mercadológica comumente adotadas têm efeitos diretos sobre a saúde da população, sobretudo a infantil. Verifica-se, atualmente, um meio ambiente obesogênico caracterizado pela grande oferta de produtos alimentícios com altos teores de sódio, gorduras, açúcares e bebidas de baixo valor nutricional, considerados não saudáveis se consumidos com habitualidade e em excesso. É o caso, por exemplo, de guloseimas, fast-food, biscoitos, macarrões instantâneos, salgadinhos, refrigerantes, bebidas adoçadas, entre outros produtos. Por atrair as crianças, as empresas se utilizam de personagens que introduzem produtos e marcas nas escolas, desenhos do universo infantil estampados em embalagens de produtos, oferta de brinquedos com alimentos como cereais matinais e lanches de fast-food, jogos de internet que envolvem biscoitos e refrescos, ações de merchandising em programas de televisão infantil, além dos tradicionais anúncios de televisão e rádio.

VIA Blog – Pode-se dizer que isso tem impactado a cultura alimentar da população?

E. K. – Essa realidade, associada à falta de informação adequada dos adultos sobre as reais características dos produtos alimentícios ofertados, é um dos fatores da transição nutricional da população brasileira, ou seja, as famílias dedicam menos tempo ao preparo dos alimentos, e têm maior necessidade de se alimentar fora de casa, principalmente nos grandes centros urbanos. Assim, passam a substituir alimentos frescos e típicos de sua dieta tradicional por alimentos prontos para o consumo, embalados, saborosos e palatáveis, considerados não saudáveis quando consumidos em excesso, e fortemente anunciados, especialmente para crianças.

VIA Blog – É correto afirmar que há uma crise de obesidade infantil?

E. K. – A obesidade e o sobrepeso infantis são considerados uma epidemia. Segundo dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares realizada pelo IBGE em parceria com o Ministério da Saúde, em 2008 o excesso de peso atingia 33,5% das crianças de 5 a 9 anos, sendo que 15% delas estavam obesas. A pesquisa revelou ainda que em 34 anos o excesso de peso infantil aumentou consideravelmente: passou de 10,9% em 1974-75 a 15% em 1989, chegando a um terço das crianças em 2008-2009.

Não se pode negar que se trata de uma questão de saúde pública, que deve ser revertida, pois o excesso de peso e a obesidade passam a afetar pessoas a partir de 5 anos de idade em todas as faixas de renda e regiões do país, o que revela a transição nutricional que afeta a população. O problema hoje deixa de ser exclusivamente a desnutrição associada a baixo peso, e passa a ser o excesso de peso decorrente da má-nutrição, que traz como consequências uma série de doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes, hipertensão, alguns tipos de câncer, em pessoas cada vez mais jovens.

VIA Blog – Quais os objetivos do documento “Recomendações para uma Convenção Global para proteção e promoção de dietas saudáveis”?

E. K. – Esse documento, lançado na Assembleia Mundial da Saúde, principal órgão decisório da Organização Mundial da Saúde, é uma iniciativa da World Obesity Federation, representada por mais de 50 associações sobre a obesidade, e a Consumers International, organização que reúne 240 instituições de defesa do consumidor em 120 países, dentre elas o Instituto Alana. Seu objetivo é convocar a comunidade internacional para que se chegue a uma Convenção Global de combate a doenças relacionadas à alimentação, da mesma maneira que aconteceu com a Convenção-Quadro para Controle do Tabaco. Isso porque, atualmente, dietas não saudáveis já superam o cigarro no ranking de causas globais de doenças crônicas não-transmissíveis – DCNT.

VIA Blog – Qual o cenário no Brasil?

E. K. – No Brasil, segundo consta do Plano de Enfrentamento de Doenças Crônicas Não Transmissíveis, plano plurianual válido de 2011 a 2022, as DCNT são um problema de saúde de grande magnitude, e correspondem a 72% de causa de mortes, tendo havido um acréscimo das taxas de mortalidade por diabetes e câncer na última década. Dentre os fatores de risco apontados, estão o consumo de alimentos com alto teor de gordura e de refrigerantes em cinco ou mais dias por semana. Certamente as enfermidades mencionadas prejudicam não só a vida das pessoas e de suas famílias, como também geram gastos expressivos ao sistema de saúde pública do país. Pesquisa recente indica que 488 milhões de reais são gastos anualmente apenas para tratar as doenças associadas ao excesso de peso, o que poderia ser evitado.


*Ekaterine Karageorgiadis, advogada da área de Defesa do Instituto Alana e conselheira do CONSEA – Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.

 

[Fonte: Bernardo Vianna / VIA Blog]