Crianças fortes, formatos inovadores

Crianças nas telas: personagens fortes, verdadeiros e bem construídos! Este foi um dos destaques do Prix Jeunesse International, festival que acontece em Munique, Alemanha e que acaba de comemorar 50 anos de existência. De 1968 até os dias de hoje, muitas foram as produções premiadas que marcaram o panorama dos programas infantis no mundo. Desta história, podemos ver um grande avanço na apresentação e representação das crianças e adolescentes em conteúdos audiovisuais feitos especialmente para eles.

Entre tantas atividades de comemoração do seu aniversário, o Festival fez uma seleção de produções que, historicamente, tiveram mais impacto e, com a ajuda de um corpo de júri de mais de 150 especialistas de todo o mundo, premiou os melhores de todos os tempos. Entre eles estão: o “Sesame Street” – PBS, EUA (anos 70), “Teletubbies” –  BBC, Inglaterra (anos 80), “The Magic Tree”- Polônia (anos 2000), “Horrible Stories” – CBBC, Inglaterra (anos de 2010) e “The Gruffalo” – Cbeebies, Inglaterra.


Em cada edição, o Festival escolhe uma temática de discussão. O universo das emoções adoçou as conversas e ainda ofereceu prêmio especial este ano.


Protagonismo

Meninos e meninas mostraram sua importância e participação na construção e no rumo das histórias, causando grande empatia e impacto, seja pela força de seu caráter, seja pela habilidade dos diretores na condução, assim como também por excelentes narrativas, provocadoras de todo o tipo de sentimentos: os brasileiros Pedro e Bianca; Libko, um menino Mapuche do Chile (em ¿Con que sueñas?); Burka Avenger, uma super heroína do Paquistão; Mimoun, um migrante muçulmano na Europa; Sarah (do “Sarah & Duck“), Topsy e Tim, personagens ingleses; Masha e seu Urso, da animação russa; e Carola (do “Good Night, Carola”), personagem retirada da literatura infantil alemã. Todos eles e muitos outros estimularam alegria, ternura, medo, fazendo a audiência rir e até, em alguns momentos, se entregar a algumas lágrimas.


Tempos difíceis

Como peso deste complexo mundo em que vivemos, entramos em contato com temáticas densas nos programas finalistas. Novas estruturas familiares, culturas que se cruzam, a crise econômica e situações financeiras agravadas e, muitas vezes, mostradas desde o âmbito familiar, as relações plurais e complexas das sociedades multiculturais, o bullying, os medos, a violência, segurança, as primeiras vivências da sexualidade e as questões de tolerância. Situações em torno desses assuntos apareceram evidenciadas nas histórias dirigidas praticamente a todas as faixas etárias.


Os criadores e roteiristas estão cada vez mais atentos para mostrar e tratar temas difíceis que afetam a vida cotidiana das crianças e adolescentes. Familiares próximos com Alzheimer, abuso sexual, inclusão de crianças portadoras de síndrome de Down, crianças com câncer. Todas as situações delicadas foram tratadas com muito cuidado. Os produtores estão utilizando melhores técnicas artísticas para sensibilizar e inspirar emocionalmente o público. Uma diversidade de gêneros e formatos também estiveram presentes entre as categorias de ficção e não ficção.


Não houve exagero, nem excesso de apelos para o melodrama e pudemos reconhecer nas histórias “a voz” , o lugar da criança e do jovem, e a busca de seus sentimentos e expressões. Isso pode ser visto em: “My Father”- VPRO, Holanda,“My life: breaking free”- CBBC, Inglaterra, “Hair Story” – IBA, Israel,”Leve me para Sair” – Coletivo Lumika, Brasil,”Commuter Kids” – DR, Dinamarca, entre outros.


As gerações se cruzando nas relações entre Pais e Filhos

A presença dos pais (e de adultos, de uma forma geral) nos programas infantojuvenis sempre inspiram atenção, no que se refere a seu tratamento. Como retratá-los e envolve-los nas histórias de forma contextualizada, sem que o peso da autoridade e da sabedoria dos mais velhos demonstre arrogância e superioridade. Por um outro lado, há casos em que a figura paterna acaba ou então cai no extremo de ser ridicularizada. Neste ano, destacando uma certa novidade, muitos programas colocaram a relação entre pai e filho(a) como essência da história contada, retratando as mães num contexto de mais naturalidade.  Os insistentes modelos de pai foram construídos com honestidade, trazendo, às vezes, uma pai displicente – e até um pouco bruto – e mostrando que o famoso “pai herói “, o pai perfeito não existe e que todos podem errar.  Foi o caso da interessante ficção “The Survival Trip” (DR, Dinamarca), ”The Boy Who Tought he was good enough the way he was”(KRO, Holanda),”Guess How much I love you” (KIKA, Alemanha) e “The Summer withDad” (NRK, Noruega).


“Guess How much I love you”- KIKA, Alemanha


Esportes e competição

Com certa sintonia com o futebol e com os esportes, vale a pena destacar um dos mais inovadores programas, que alcançou o prêmio de excelência na categoria 7 -11 Ficção. “The Games” (foto do destaque), uma série norueguesa que narra momentos decisivos da vida de um garoto de 11 anos. Com narração de dois comentaristas, numa linguagem própria da narração de futebol, a produção mostra cenas do cotidiano de meninos e meninas dessa faixa etária. Ágil, dinâmico, criativo, o programa premiado envolveu a audiência votante do Festival, que reagiu entusiasmada a cada “lance” da história do garoto que estava a um passo de fazer sua primeira conquista amorosa.


A Noruega também levou o prêmio da categoria 7-11 Não Ficção com o “All-Round Champion!”da NRK (TV pública). A série também tem o esporte muito presente, mostrando as dúvidas, conquistas, desafios e frustrações inerentes das competições esportivas. Num formato reality, com uma câmera dentro da ação e uma edição envolvente,vemos momentos de muita emoção e coragem de um grupo de crianças que, de forma muito espontânea, expressou seus medos e conquistas.


Não ficção e os modos de fazê-la

A categoria 7-11 não ficção teve o maior número de inscrições e finalistas.  Fato inédito que indica dedicação e desenvolvimento da linguagem documental para as crianças desta faixa etária. Pela variedade de formatos das produções analisadas, percebe-se uma grande experimentação de técnicas utilizadas para se aproximar e trabalhar com crianças, criando ou recriando ambientes propícios para se contar uma história verdadeira, mantendo o máximo de elementos reais, com uma dedicação para captar a espontaneidade das crianças nas mais diversas situações. Nem sempre o resultado foi o melhor, mas a procura existe e muitos alcançaram os objetivos.

Casting, roteiro, técnicas de entrevista, câmera na mão das crianças e edição foram tema de discussão nos grupos de moderação, mostrando como seqüências obtidas além do roteiro e planejamento prévios, contribuem para a construção das histórias. Um exemplo foi o programa “Bente’s Voice” – (VPRO, Holanda), que apresenta os bastidores do “The Voice Kids”, mostrando a manipulação deste tipo de concurso que tanto atrai meninas e meninos e os dilemas da Bente nesta situação. “Cultural Shock”- (RAI, Italia), “¿Con que sueñas?” – (TVN, Chile), “I Got It! Jumper Boys” (People’s Television Network – Filipinas), “Friends of Nature” – (DR, Dinamarca) e “The Hideout” – (KRO, Holanda) também foram nesta direção.


Revistas informativas e telejornais infantis

Muitos programas noticiosos ou informativos estiveram entre os finalistas, o que caracteriza uma tendência cada vez maior de se produzir telejornais para crianças com fatos e atualidades, porém com linguagem e formato acessível à audiência infantil.

Imediatamente as perguntas que surgiram foram: o que seria uma notícia para crianças? O que elas querem ou devem saber? Até onde devemos explicar? Qual enfoque devemos dar a fatos políticos, por exemplo, ou mesmo a catástrofes naturais e tragédias violentas?

Alguns programas como “Hard Times”(CBBC, Inglaterra) e “UltraNews” (DR, Dinamarca) acreditaram que ter um adulto mediando os fatos é um caminho seguro, mas nem todos concordaram com essa linha. “Vitamin News” (Thai Public Broadcasting Service, Tailândia) e “Programas inteligentes com adolescentes – PICA” (Nicobis, ATB Red Nacional, Bolívia) que, de alguma forma, colocaram as crianças em primeiro plano, como repórteres, apresentadores de temas que afetam diretamente as crianças. Tudo isso foi questionado nas moderações e discussões do Festival.


“Programas inteligentes com adolescentes – PICA” (Nicobis, ATB Red Nacional, Bolívia)


A primeira infância e os programas dirigidos às crianças de até 6 anos

Como as mudanças provocadas pelo avanço da tecnologia estão influenciando o desenvolvimento infantil? Seriam diferentes crianças nascidas na era digital? Será que o ritmo da curiosidade delas foi afetada pelo excesso de estímulos? Como chegar perto dos pequenos, respeitando o seu tempo ? Essas são perguntas que certamente afetaram os criadores de programas dirigidos a essa faixa etária.

No grupo de programas finalistas de pré escola conferimos formatos inovadores. O belo programa de Filosofia “What´s the Big Idea” (Cbebbies, Inglaterra) e a série de matemática “Peg + Cat, The Beethoven Problem” (PBS, EUA) mostraram o quanto devemos tratar com seriedade essa faixa etária, desafiando a audiência, sem respostas prontas, oferecendo desafios em tons de perguntas. “Friends of Nature” (DR, Dinamarca) foi mais longe, dando tarefas e responsabilidades aos pequenos, sem auxílio de adultos, estimulando a autonomia infantil.

Os formatos mais clássicos também continuam a ser produzidos de forma simples, simpática e acolhedora como “Tumblies”(KRO, Holanda) e “Camusi,Camusi” (Señalcolombia). Com objetivo de ensinar, repetindo conceitos e informações mais de uma vez,  convidando  a audiência a aprender  temas como formas geométricas, números, sons.


América Latina na competição


Com 13 conteúdos finalistas, representando agora 8 países, competimos com estilo e qualidade na versão internacional do Festival que o comKids realiza aqui no Brasil. O crescimento é notável nas últimas décadas e é sinal de trabalho, criatividade, qualidade e investimento. Festivais e eventos de formação espalhados pelo continente foram fundamentais para que acontecesse esse desenvolvimento. A presença da América Latina, sua participação, sua contribuição e perspectiva nos debates foi percebida, elogiada e premiada. Animações, dramas em live-action, programas de não-ficção oriundos da Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Colômbia, Cuba, Equador e México demonstram uma profissionalização do setor na região e seguir para coproduções com a Europa e os Estados Unidos. Pedro e Bianca (TV Cultura, Brasil), Leve-me para Sair (Coletivo Lumika, Brasil ), Te Re-creo tus noticias (Canal Capital, Colômbia), ¿Con que sueñas? (TVN, Chile) e Cuentos de Viejos (señalcolombia, Colômbia) subiram ao pódio com muito orgulho. A série brasileira da TV Cultura levou o troféu de melhor ficção para jovens de 12 a 15 anos.


Te Re-creo tus noticias (Canal Capital, Colômbia)


Cuentos de Viejos (señalcolombia, Colômbia)

 

[Fonte: ComKids]