Manifesto a favor da publicidade para crianças (e contra a publicidade para bancos)

mauricio

Por: André Forastieri

 

Tem gente querendo proibir a publicidade para a molecada. Tem gente aplaudindo. É o Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente). Sua resolução número 163 proíbe a propaganda e a publicidade direcionadas a crianças e adolescentes.

O órgão é composto por entidades da sociedade civil e ministérios do governo federal. A resolução diz que “a prática do direcionamento de publicidade e comunicação mercadológica à criança com a intenção de persuadi-la para o consumo de qualquer produto ou serviço” é abusiva e, portanto, ilegal.

Para o Conanda, a medida tem força de lei. A partir de sua vigência, fica proibida o direcionamento ao público infantil e adolescente de anúncios impressos, na TV e rádio, embalagens, promoções, merchandisings, ações em shows e apresentações e nos pontos de venda. Entra nos mínimos detalhes do que considera abusivo:

 

-       linguagem infantil, efeitos especiais e excessos de cores;

-       trilhas sonoras de músicas infantis ou cantadas por vozes de criança;

-       representação de criança;

-       pessoas ou celebridades com apelo ao público infantil;

-       personagens ou apresentadores infantis;

-       desenho animado ou de animação;

-       bonecos ou similares;

-       promoção com distribuição de prêmios ou de brindes colecionáveis ou com apelos ao público infantil;

-       promoção com competições ou jogos com apelo ao público infantil.

 

O Conanda decreta assim que a publicidade infantil fere o que está previsto na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Código de Defesa do Consumidor. As organizações que reúnem órgãos de imprensa e agências de publicidade, naturalmente, são contra. Defendem que a resolução não tem força de lei coisíssima nenhuma. Que só o Congresso pode legislar sobre o assunto. Imbróglio armado.

Aconteça o que acontecer, já é uma grande vitória do Instituto Alana. Essa organização faz pressão para proibir a publicidade infantil há anos. Até financiou documentários sobre o tema, como “Criança, a Alma do Negócio”, visto por mais de um milhão de pessoas na internet; e “Muito Além do Peso”, sobre obesidade. Voltamos ao Alana daqui a pouco. Muita gente boa aplaude a resolução 163. Vários cretinos a criticam. Vou meter a colher – você lê, e decide se sou cretino ou gente boa.

É perfeitamente razoável que as sociedades regulamentem a comunicação, como regulamentam outras coisas. Mas cresci, e todas as gerações após a minha, assistindo desenhos animados, lendo gibi, e portanto expostos a anúncios em conteúdo para crianças. Não viramos uma horda de zumbis. A molecada de hoje é bem mais esperta que eu fui e sabe muito melhor separar o joio do trigo. Joio e trigo que, aliás, cada vez mais estão na internet, no YouTube, que já substitui a TV para boa parte da garotada.

Segundo: decretar o fim da publicidade infantil significa decretar o fim da programação infantil, do conteúdo para crianças. Eu adoraria fazer um site para crianças, e comecei a pensar nisso quando meu filho ainda estava na barriga da mãe. Nunca consegui. Por quê? Porque tem pouca publicidade. De onde vem a grana para pagar os custos?

Abrir mão da receita de publicidade e patrocínio é abrir mão de veicular conteúdo infantil. E até de produzi-lo. Se decretamos a proibição, damos adeus aos poucos sites infantis que existem, às revistas pra criança, ao Cartoon Network - e à Galinha Pintadinha, Patati Patatá e companhia. São marcas que sobrevivem de seus muitos produtos licenciados, que vendem porque anunciam.

O maior produtor de conteúdo infantil do país, Maurício de Souza, entrou no debate. Foi muito criticado por ter postado uma foto de uma menina, defendendo o direito de ver televisão. Maurício defende seus interesses comerciais? Sem produtos licenciados da Turma da Mônica, e anúncios destes produtos, a  Maurício de Souza Produções se torna inviável. Qual a vantagem para a criança brasileira?

Sim, sou parte interessada. Já lancei pilhas de revistas para criança e adolescente, Herói, Super Menina, Smack!, mangás, Pokémon. Ainda hoje supervisiono, à distância, o conteúdo de games da Tambor. A maior parte dos grandes games hoje são dedicados ao público jovem adulto. Mas, muitos títulos são para todas as idades, e portanto seriam afetados por uma lei contra a publicidade infantil. É o caso da maioria dos jogos da Nintendo. O que as criancinhas brasileiras ganharão com o fechamento da revista Nintendo World, no mercado desde 1998, alguém pode me explicar?

Vamos olhar por outro ângulo. Se realmente é o caso de proibir a publicidade de alguns segmentos, vamos começar pelos que realmente causam grandes danos à população. Alguns sugeririam automóveis, traquitanas eletrônicas, ou remédios milagrosos para emagrecer.

Eu indico o setor bancário. Os bancos vendem sonhos dourados, consumo sem fim, você pode alcançar seu sonho e nós ajudamos. O anúncios sempre tem criancinhas e vovós felizes, gramadão, carro novo, casa nova, vida nova. Na prática, escravizam seus clientes, cobrando juros criminosos, e mais um monte de anuidades e taxas que ninguém entende ou pode questionar. O resultado, no Brasil e em todo lugar: milhões de pessoas endividadas, mesmo já tendo pago o principal várias vezes. Vivem para trabalhar, em vez de trabalhar para viver. De vez em quando, estoura mais uma bolha, imobiliária, da bolsa, do crédito. Os bancos continuam faturando firme, com apoio governamental, e bônus gordos nos bolsos de seus executivos.

O varejo, claro, é o grande cúmplice disso. Tudo agora é em dez vezes "sem juros", né? Como se os juros não estivessem embutidos. Então ficou muito mais fácil comprar, e muito mais fácil dever. Não é à toa que muitos dos maiores fabricantes têm seus próprios bancos ou sistemas de financiamento.

Uma proposta modesta, então: vamos acabar com a publicidade de serviços financeiros. Vamos substituir por informação clara e direta, que explique de maneira transparente as consequências de cada compra, de cada empréstimo. Topa entrar nessa, Instituto Alana?

Hmm, desconfio que não. Porque a fundadora do Alana é Ana Lucia de Mattos Barretto Villela, 40 anos, maior acionista individual do Banco Itaú, ao lado do irmão, Alfredo. Ana Lucia participa dos comitês da holding Itaúsa. O Instituto Alana tem 150 funcionários e um fundo patrimonial de R$ 300 milhões. É um excelente exemplar desta nova espécie, o milionário ongueiro.

São ricos “do bem”, que tocam seus negócios  “business as usual”, mas também pingam uma grana para bancar projetos sociais. Geralmente um revolucionário projeto ambiental-educacional na favelinha ali perto. Ana Lucia, discípula de Paulo Freire, ótimo, disse essa semana ao Valor que não é contra o capitalismo, “nem dá pra ser, né?”. Dá pra ser contra sim – principalmente se quem vai levar o prejuízo são os outros, e não o Itaú.

Ana Lucia,, como muitos desses benevolentes influentes, também usa sua grana para influenciar a opinião pública. Contratam boas assessorias de imprensa, asseguram boas relações com jornalistas, patrocinam eventos prestigiados, financiam estudos, pesquisas, documentários. São eles próprios mini grupos de comunicação. Dispensam receita publicitária, claro, porque já ricos.

Há muito o que criticar em nossa mídia. As concessões de TV para políticos, o poder de uns poucos grandes grupos, a bonificação de volume que concentra o investimento publicitário na mão dos mesmos, a compra de revistas e livros por governantes amigos, e por aí vai. Regulamentação de verdade seria fundamental (e é improvável). Mas essa resolução do Conanda para a publicidade infantil não conserta nada, e ainda piora. Por todas as razões acima, e mais uma. Porque trata nós, pais, adultos, como se fôssemos bebês, que precisam ser protegidos, controlados.

E você, meu amigo, minha amiga, pai ou mãe, que achou bacana a proibição da publicidade infantil: se toca. Não é seu filho que faz as compras do mês, pega o carro para ir ao shopping, ou paga a conta da lanchonete fast food. É você. Assuma sua responsabilidade. Basta usar com mais frequência e firmeza a palavrinha mágica: NÃO.

[Fonte: R7 -  Blog do André Forastieri]